Passeios Culturais em transportes públicos de Salvador.
A maioria das pessoas que utilizam os transportes coletivos está acostumada com o comércio informal, pedintes e mensageiros religiosos freqüentes nesses meios. Em Salvador, isso não é diferente. Mas, e quando a sua simples viagem transforma-se em um intercâmbio cultural repleto de música, poesia e informação?
Pois é, artistas independentes utilizam o transporte público na cidade para divulgar o seu trabalho, mas acima de tudo difundir a arte para a população.
"Em um ônibus, podemos atingir um público plurificado" - disse um repentista durante a sua apresentação.
No transporte coletivo, é possível promover a arte para pessoas de todos tipos, desde as mais intelectualizadas, até mesmo outras que não tiveram acesso, se quer, a um ensino básico. Através deste público, músicos, poetas, desenhistas e outros artistas marginalizados, transformam simples trajetos na cidade em um espetáculo do conhecimento.
Sábado, eu estava em ônibus seguindo uma tediosa e cansativa trajetória do Imbuí à Barra. Repentinamente, um homem portando apenas uma flauta em suas mãos chamou-me atenção, logo pensei "lá vem mais um pedir dinheiro". O rapaz franzino apresentou-se a todos e sem delongas, disse:
“Gente, estou aqui para mostrar um trabalho que faço em escolas públicas e ônibus de salvador. Não recebo nenhum patrocínio para isso, já tentei pedir auxílio ao Governo do Estado para divulgar o meu trabalho, mas na falta deste apoio, eu conto com a ajuda de motoristas e alguns professores para me apresentar e fazer o que mais gosto, a arte. Eu não peço dinheiro, mas também não vou negar, estamos em salvador".
Após a descontração, o flautista começou a tocar inúmeros clássicos de Vinícius de Moraes, Luíz Gonzaga, Caetano Veloso, Toquinho etc... Entre uma música e outra, recitava poemas de Augusto Jatobá, Carlos Drummond de Andrade, cordéis e repentes. Para alguns passageiros ali presentes, uma boa parte dessa cultura era desconhecida, mas o artista estava empenhado e lhes mostrava um "novo horizonte" com muita alegria.
Para concluir sua apresentação, serviu-se de um poema belíssimo de Cecília Meireles chamado "Motivo".
Cecília Meireles – Motivo.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
O "Poeta do Ônibus" , como ficou conhecido, partiu com no máximo quatro Reais em seu bolso. Para muitos isso seria pouco, mas para ele, os aplausos e os sorrisos evidentes no fim do espetáculo eram superiores a qualquer quantia, pois o seu dever estava cumprido.
2 comentários:
Os caras que vendem balas nos ônibus de Salvador nem precisam de MBA em marketing pra saberem muito de estratégias de venda.
As vozes utilizadas por eles, as histórias contadas e as músicas cantadas divertem e tornam mais fácil tirar o dinheiro de dentro do bolso e gastar com a boa e velha bala de maçã!
Lindo... equilibrado.
Nem piegas, nem pretencioso... real.
Conta a vida de um contador... conto.
"Passa" um dia de seu olhar...vejo.
Falar do que nos acontece é um belo dom, já que nos é tão corriqueiro e conhecido, e o que as pessoas mais querem é o diferente!
O fruto despido não me interessa, só quero aquilo que não me dá pressa... de saber e ver! POETA...calmo.
Não sei o que quis fazer... =]
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