segunda-feira, 30 de abril de 2007

"Eu não peço dinheiro, mas também não nego"

Passeios Culturais em transportes públicos de Salvador.

A maioria das pessoas que utilizam os transportes coletivos está acostumada com o comércio informal, pedintes e mensageiros religiosos freqüentes nesses meios. Em Salvador, isso não é diferente. Mas, e quando a sua simples viagem transforma-se em um intercâmbio cultural repleto de música, poesia e informação?

Pois é, artistas independentes utilizam o transporte público na cidade para divulgar o seu trabalho, mas acima de tudo difundir a arte para a população.

"Em um ônibus, podemos atingir um público plurificado" - disse um repentista durante a sua apresentação.

No transporte coletivo, é possível promover a arte para pessoas de todos tipos, desde as mais intelectualizadas, até mesmo outras que não tiveram acesso, se quer, a um ensino básico. Através deste público, músicos, poetas, desenhistas e outros artistas marginalizados, transformam simples trajetos na cidade em um espetáculo do conhecimento.

Sábado, eu estava em ônibus seguindo uma tediosa e cansativa trajetória do Imbuí à Barra. Repentinamente, um homem portando apenas uma flauta em suas mãos chamou-me atenção, logo pensei "lá vem mais um pedir dinheiro". O rapaz franzino apresentou-se a todos e sem delongas, disse:

“Gente, estou aqui para mostrar um trabalho que faço em escolas públicas e ônibus de salvador. Não recebo nenhum patrocínio para isso, já tentei pedir auxílio ao Governo do Estado para divulgar o meu trabalho, mas na falta deste apoio, eu conto com a ajuda de motoristas e alguns professores para me apresentar e fazer o que mais gosto, a arte. Eu não peço dinheiro, mas também não vou negar, estamos em salvador".

Após a descontração, o flautista começou a tocar inúmeros clássicos de Vinícius de Moraes, Luíz Gonzaga, Caetano Veloso, Toquinho etc... Entre uma música e outra, recitava poemas de Augusto Jatobá, Carlos Drummond de Andrade, cordéis e repentes. Para alguns passageiros ali presentes, uma boa parte dessa cultura era desconhecida, mas o artista estava empenhado e lhes mostrava um "novo horizonte" com muita alegria.

Para concluir sua apresentação, serviu-se de um poema belíssimo de Cecília Meireles chamado "Motivo".

Cecília Meireles – Motivo.

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

O "Poeta do Ônibus" , como ficou conhecido, partiu com no máximo quatro Reais em seu bolso. Para muitos isso seria pouco, mas para ele, os aplausos e os sorrisos evidentes no fim do espetáculo eram superiores a qualquer quantia, pois o seu dever estava cumprido.

2 comentários:

Marcelo Oliveira disse...

Os caras que vendem balas nos ônibus de Salvador nem precisam de MBA em marketing pra saberem muito de estratégias de venda.
As vozes utilizadas por eles, as histórias contadas e as músicas cantadas divertem e tornam mais fácil tirar o dinheiro de dentro do bolso e gastar com a boa e velha bala de maçã!

Vivi Dias disse...

Lindo... equilibrado.
Nem piegas, nem pretencioso... real.
Conta a vida de um contador... conto.
"Passa" um dia de seu olhar...vejo.

Falar do que nos acontece é um belo dom, já que nos é tão corriqueiro e conhecido, e o que as pessoas mais querem é o diferente!

O fruto despido não me interessa, só quero aquilo que não me dá pressa... de saber e ver! POETA...calmo.

Não sei o que quis fazer... =]